quinta-feira, 22 de maio de 2025

qualquercoisasobreti

Nevoeiro nos olhos.

Passos gravativos.

Mente pesada.

Não vinha aqui há muito tempo. E, para ser completamente honesto, nem sei como cheguei aqui. Deixei-te levares-me por entre estas ruelas que conheci um dia, roçando ombros com desconhecidos que me cumprimentam sem emoção, como se me puxasses por este fio condutor que não sabia ainda ter.

Entrei sem bater à porta.

O cheiro atingiu-me a face como uma parede de betão argilosa. Estava em casa. Como se nunca tivesse estado noutro lugar senão aquele. Enfrentei o corredor, passando a sala, à minha direita, a cozinha, à minha esquerda, e a dor, em todo o lado.

Gravitei até o teu quarto.

Ouvi, ao longe, algo que me deu a volta ao estômago – tinha sabor a “nunca mais vou sentir isto”. Engoli a seco o quão custoso era cada passo e continuei. Nunca quis sair daqui, penso. Mas saí. Saí e fugi sem olhar para trás.

Fugi a sete pés quando te vi a dar um passo atrás. Pelo caminho, deixei cair tanto de ti, tanto de mim, que, agora, vejo-me encurralado por estas paredes cobertas de memórias infantis, cruas e tão felizes.

Acabo por acreditar que imaginei tudo o que grafitámos por estas velhas paredes; que a sensação fantasma que me tira ativamente o oxigénio dos pulmões, é fruto da imaginação de alguém que nunca aprendeu a crescer porque se perdeu pelo caminho.

Fecho os olhos, tento respirar fundo e regresso à realidade.

Nem sei como cheguei aqui, penso novamente, mas agora de verdade. Voltei a fugir e perdi as coordenadas no espaço-tempo, desorientado por todo o lado, embatendo em ti – sempre em ti.

O barulho ensurdecedor de vozes abafadas e dos dedos velozes sobre teclados convidam uma miúda dor de cabeça, girando em bola de neve pelas minhas têmporas. Regresso a uma realidade rotineira, de dias vagos e pouco alegres, onde, na melhor das hipóteses, não sinto nada, e meto mãos à obra.

Finjo normalidade. Finjo que nada aconteceu. Finjo que tu não aconteceste.

E, todos os dias, finjo que não falho.