quinta-feira, 18 de abril de 2024

broken clock

Os ponteiros do relógio de parede que tenho no escritório de casa não se movem.

E não consigo compreender porquê.

Mudei as pilhas inúmeras vezes. Tentei perceber se algum mecanismo estaria defeituoso. Li sobre o lado da força e lado de freio, sobre a mola principal e o pinhão de corda.

Pouco entendi.

Eu estava investido, no entanto o meu foco era outro. O relógio era uma desculpa qualquer que dei a mim mesmo. Como que uma metáfora adolescente, de braços cruzados pela frente, à espera que chegasse a uma conclusão óbvia. Eu era o relógio. Aquele mesmo, preso na minha parede, sem um único movimento, sem vida.

Muito escrevi sobre isto antes. Essas palavras – enferrujadas e com cheiro a mofo – continuam perenes. Não há virgulas a mais e os pontos finais são os mesmos. Juntos a triplicar, aguardam. Aguardam por algo.

Vives a vida à espera”, disseram-me um dia.

Esperam. As minhas palavras, os ponteiros do relógio e eu. Sem dar conta, este meu defeito deu conta de mim. Erroneamente, acertei duas vezes por dia e acreditei que vida me iria medalhar pelo feito, adulando-me como se isso fosse uma gritante vitória. Mas não. Na verdade, até hoje, não venci em nada. Tenho os bolsos vazios de louvores e do peito apenas me surge estertor.

Ocasionalmente, abro as persianas do escritório que tenho em casa. Deixo o relógio refletir a luz que provém pela janela. É tão bonito. Sem brilho próprio, sem vida, sem utilidade. Existe, como se isso fosse suficiente.

Algures no tempo, o meu relógio de parede, com tamanha preguiça, encostou-se à parede cor de neve e guardou para si todos os seus segundos. Não os partilhou com medo de estragar os seus longos ponteiros ou danificar o seu vidro quebradiço.

Enquanto cancelando planos, disse a si mesmo que estava a tentar. E de tanto cancelar, esqueceu-se que estava à espera de algo. Algo que nunca chegou porque estava demasiado ocupado a proteger-se. Engaiolado em sentimentos que não quis partilhar. Preso numa moção parada. Contando os segundos.

E em cada segundo, como um tique-taque surdo, ouvia:

Tique (Não sei como cheguei aqui);

Taque (Não sei gostar do corpo que me reveste);

Tique (Não sei deixar que me vejam o interior);

Taque (Não sei para onde ir).

Assim sou eu. Sobrevivendo mais um dia, colorido de preto e branco, agachado num canto, de joelhos ao peito. Tudo em meu redor se move. Tudo continua. Tudo cresce. Tudo evolui. Menos eu.

Parado. bloqueado. Travado. Como os ponteiros do relógio de parede que tenho no escritório de casa.

E não consigo fazer com que pare de doer.