sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

so sorry

De fora, a cena até é acolhedora.

Lusco-fusco. A persiana entreaberta, revela uma janela que mantem um vestígio de condensação, tentando a todo o custo impedir o frio de entrar. Pela cama, mantas espalhadas com mestria. No canto do quarto, em cima da mesa de cabeceira, um candeeiro de luz quente.

De fora, olhando para a ampulheta decorativa, ao lado do candeeiro, parece pacifico até. Mal se sabe. Quem olha, não se apercebe – ansiedades desarrumadas pelo chão, interpoladas por medos e desilusões.

Quatro frágeis paredes que, ocasionalmente, presenciam as minhas vãs tentativas de esquecer tudo isto. Como que transpor um vírus para outro corpo. Como que infetar, tingir ou manchar outra pele que não a minha.

Acabo por conseguir, nem que momentaneamente. Mais destruídas que eu, despedem-se com um sorriso nos lábios de quem não compreende que albergou um beijo envenenado.

Tão frágeis como eu, tão irremediáveis quanto eu.

Todavia, quando visto de fora, tudo parece perfeito. O meu quarto, numa impostora luz que finge ser romântica; a minha cama por fazer, com lençóis arrepanhados para trás, puxados à pressa; a respiração ofegante de quem transpirou para cima de outra pessoa.

Digno de filme, até quando há filme.  

Ontem, enquanto me afastava do quarto para fechar a porta de casa, permitindo-me ficar no silêncio que imploro e abomino ao mesmo tempo, percebi que devia deixar de escapar por entre as pernas de seres tão quebradiços quanto eu. Por mais que despeje, nunca conseguirei despejar a dor que sinto para dentro delas – por muito que tão bem me saiba.

É triste. Mas pelo menos, de fora, é tudo tão perfeitamente delineado.

Encosto os meus lábios aos lábios dela. Digo-lhe para me dizer algo quando chegar a casa. Vejo o sorriso dela e retribuo-o. Fecho a porta.

Fim de cena.

A persiana parte-se. A janela deixa entrar o frio. Não há mantas na cama. O candeeiro apaga-se. E eu estou sozinho. Outra vez.

Afinal vivi tanto pelos outros que me esqueci de sentir. 

E só agora me dou conta de que tudo o que sinto, não me quer deixar sentir.