Quando mudei de casa, trouxe uma caixa comigo.
No meio de todas as mudanças,
entre roupa, lençóis, utensílios de cozinha e papel higiénico, trouxe uma caixa
que enchi durante muitos anos. Abrindo e fechando, acrescentando e tirando,
construí-a entre amores e desamores.
Hoje abri essa caixa.
Escondida no guarda-roupa de um
dos meus quartos, lá estava ela.
À primeira vista, mergulhada em
tralha, é fácil não ver que esta caixa viveu muitas vidas e que se preencheu de
inúmeras pessoas. Entre fotografias, frases escritas para mim, chaves de mapas
e bilhetes de cinema, vi um pedaço de mim em cada artefacto ali despejado.
E pela primeira vez, não doeu.
Diria que isso me deixou aliviado,
mas, na verdade, não. Entristeceu-me. Naquela caixa, está minha vida inteira:
- O bom e o menos bom;
- A família que está cá e a que
já não está;
- Os amigos que já não são e os
que se tornaram certezas;
- As etapas basilares
profissionais e pessoais, e;
- As dores e as felicidades.
Talvez tenha esquecido, talvez
tenha ultrapassado. Não sei. Mas sei que senti um sabor deveras agridoce por
não sentir. Logo eu, que tanto quis chegar aqui, a esta ausência de
sentimentos, vejo-me agora sem saber onde fiquei.
Onde me deixei.
Sou o que sou pelo conteúdo
daquela caixa – digo-o de forma trivial, como se nada fosse, mas, sem entrar em
pormenores, o impacto do seu conteúdo nunca me deveria ser indiferente.
Enganei-me. Afinal até o “sempre”
tem limites.
E, agora que penso nisso, não é
incrivelmente devastador não sentir nada perante momentos e pessoas que
moldaram o que sou hoje?
Nada. Nada de nada.
Como eu.