segunda-feira, 20 de outubro de 2025

pandora'sbox,

Quando mudei de casa, trouxe uma caixa comigo.

No meio de todas as mudanças, entre roupa, lençóis, utensílios de cozinha e papel higiénico, trouxe uma caixa que enchi durante muitos anos. Abrindo e fechando, acrescentando e tirando, construí-a entre amores e desamores.

Hoje abri essa caixa.  

Escondida no guarda-roupa de um dos meus quartos, lá estava ela.

À primeira vista, mergulhada em tralha, é fácil não ver que esta caixa viveu muitas vidas e que se preencheu de inúmeras pessoas. Entre fotografias, frases escritas para mim, chaves de mapas e bilhetes de cinema, vi um pedaço de mim em cada artefacto ali despejado.

E pela primeira vez, não doeu.

Diria que isso me deixou aliviado, mas, na verdade, não. Entristeceu-me. Naquela caixa, está minha vida inteira:

- O bom e o menos bom;

- A família que está cá e a que já não está;

- Os amigos que já não são e os que se tornaram certezas;

- As etapas basilares profissionais e pessoais, e;

- As dores e as felicidades.

Talvez tenha esquecido, talvez tenha ultrapassado. Não sei. Mas sei que senti um sabor deveras agridoce por não sentir. Logo eu, que tanto quis chegar aqui, a esta ausência de sentimentos, vejo-me agora sem saber onde fiquei.

Onde me deixei.

Sou o que sou pelo conteúdo daquela caixa – digo-o de forma trivial, como se nada fosse, mas, sem entrar em pormenores, o impacto do seu conteúdo nunca me deveria ser indiferente.

Enganei-me. Afinal até o “sempre” tem limites.

E, agora que penso nisso, não é incrivelmente devastador não sentir nada perante momentos e pessoas que moldaram o que sou hoje?

Nada. Nada de nada.

Como eu.