quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

power

Escreve, disseste-me.

Sobre o quê, perguntei-te.

Sobre o que tu sabes, sobre o que conheces.

Penso muito sobre essa conversa. Pelo meio de todas as coisas que não me lembro, acusado de só recordar o que me convém, lembro-me sempre das tuas palavras certeiras.

Eu não sei nada, afirmei.

Sabes, retorquiste, sabes muito sobre não fazer nada de jeito. Sobre seres uma merda. Sobre seres dependente de alguém que tem de te encaminhar na vida. Sobre seres controlado. Sobre não teres ninguém.

Pelo silêncio que assentou entre a tua resposta e a minha, lembro-me de sentir o gume daquela cruel verdade a dilacerar-me por dentro.

Queres que escreva sobre ti, sobre nós, respondi-te.

Se quiseres.

Não era como que uma sugestão – era uma ordem. Se um dia te falar disto, vais afirmar que estavas a brincar. Como quando falas mal de mim e eu acredito.

Só acreditas quando falo mal de ti, já viste? Quando falo bem de ti, é porque estou a gozar contigo.

Pois, sim. É mais fácil acreditar em algo que tens como verdade, dentro de ti. E é mais fácil acreditar nas tuas ásperas palavras quando as restantes são tão raras.

Pouco tenho escrito sobre ti desde então. Até agora.

Mereço melhor que isto, que tu, todavia, não quero mais nada, mais ninguém. Diz mais sobre mim do que sobre ti, não?

Cada vez que me partes, que arrancas mais um pedaço de mim, fico vazio. Mas, ao mesmo tempo, de forma irreal, reconfortado por saber que ficaste com mais um pedaço meu para ti; Que isso só pode significar que me queres para ti; E o quão bom é sentir-me apreciado.

Mas isso é doentio, não é? Isso não é gostar de alguém. Isso é exercer poder sobre alguém. E eu continuo a deixar. Porque só assim te tenho. Só assim alguém me tolera.

O que eras tu sem mim?

Nada, afirmo. Derrotado.

E tens escrito?

Não.

Nem para isso tu serves…